Quando falamos de dietas da moda, nos referimos a padrões dietéticos popularizados e muitas vezes sem a apreciação meticulosa da ciência. Essas dietas se sustentam na narrativa de promoção à saúde, prevenção ou tratamento de doenças e/ou melhora na performance esportiva. Vez ou outra, a dieta sem glúten, a exclusão da lactose, a dieta low carb ou a suplementação com proteínas, por exemplo, reaparecem no centro das discussões acadêmicas.
A dieta isenta de glúten tem se tornado cada vez mais popular 1-2 e um dos motivos para a popularização da restrição ao glúten é dado pela crença de que esta é uma dieta mais saudável 3 e que pode auxiliar no tratamento de algumas doenças 4. De fato, a exclusão do glúten deve ser preconizada em pessoas com distúrbios relacionados ao glúten 5 e questões relacionadas à modismos, falta de informação e diagnósticos incoerentes são preocupantes, especialmente em crianças, pois podem levar a prática de dietas restritivas nocivas à saúde 6.
O glúten é um complexo proteico, com alta concentração de prolaminas, encontrado no trigo, na cevada e no centeio 5. A doença celíaca, a alergia ao trigo e a sensibilidade ao glúten não-celíaco constituem o espectro de distúrbios relacionados ao glúten onde a dieta de exclusão é necessária 7.
Na doença celíaca, o indivíduo geneticamente suscetível desenvolve uma enteropatia imunomediada após a exposição ao glúten, que pode ser identificado pela presença de anticorpos - antitransglutaminase 2 (anti-tTG2), antiendomísio e/ou antigliadina 7-8. Trata-se de uma doença autoimune, caracterizada clinicamente por distúrbios no trato gastrointestinal como má-absorção e esteatorreia, mas também pode ocorrer sinais e sintomas inespecíficos como perda de peso, falha de crescimento, anemia, fadiga e osteopenia 9-10. Em sua forma não clássica, o indivíduo pode apresentar apenas um ou poucos sinais clínicos 11.
A alergia ao trigo, mais comum em crianças, é uma reação imunológica às proteínas do trigo 7. Pode ser definida como uma reação imunológica mediada por células Th2, tipicamente presente logo após a ingestão de trigo, com sinais de anafilaxia 12.
A sensibilidade ao glúten não-celíaco é uma doença com patogênese ainda não totalmente elucidada, onde os indivíduos apresentam sintomas intestinais e extra intestinais e apresentam melhora dos sintomas após a dieta de exclusão ao glúten 7;13. Uma pequena parcela da população que se autodenomina sensível ao glúten ou ao trigo possui sintomatologia reprodutível após teste com placebo 13 e esse dado demonstra a complexidade do diagnóstico da sensibilidade ao glúten não-celíaco.
A partir dessa narrativa, os profissionais nutricionistas e pediatras que identificam a prática de dietas restritivas pelos seus pacientes devem trabalhar em conjunto para investigar os motivos que levaram à(s) restrição(ões) alimentar(es), identificar sinais, sintomas e biomarcadores que possam sugerir alguma doença e investigar inadequações alimentares e potenciais deficiências nutricionais.
Referências:
1.Kim H-S, Patel KG, Orosz E, et al. Time trends in the prevalence of celiac disease and gluten-free diet in the US population: results from the National health and nutrition examination surveys 2009-2014. JAMA InternMed 2016;176:1716–7.
2.Kamiński M, Nowak JK, Skonieczna-Żydecka K, Stachowska E. Gluten-free diet yesterday, today and tomorrow: Forecasting using Google Trends data. Arab J Gastroenterol. 2020 Jun;21(2):67-68. doi: 10.1016/j.ajg.2020.04.004. Epub 2020 Apr 21. PMID: 32332000.
3.The Hartman Group. Health+ Wellness 2017. Report. https:// www.hartman-group.com/acumenPdfs/gluten-free-9_13_18.pdf.
4.Lerner BA, Green PHR, Lebwohl B. Going Against the Grains: Gluten-Free Diets in Patients Without Celiac Disease-Worthwhile or Not? Dig Dis Sci. 2019 Jul;64(7):1740-1747. doi: 10.1007/s10620-019-05663-x. PMID: 31102129.
5.Hill ID, Fasano A, Guandalini S, Hoffenberg E, Levy J, Reilly N, Verma R. NASPGHAN Clinical Report on the Diagnosis and Treatment of Gluten-related Disorders. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2016 Jul;63(1):156-65. doi: 10.1097/MPG.0000000000001216. PMID: 27035374.
6.Kirby M, Danner E. Nutritional deficiencies in children on restricted diets. Pediatr Clin North Am. 2009 Oct;56(5):1085-103. doi: 10.1016/j.pcl.2009.07.003. PMID: 19931065.
7.Melini V, Melini F. Gluten-Free Diet: Gaps and Needs for a Healthier Diet. Nutrients. 2019 Jan 15;11(1):170. doi: 10.3390/nu11010170. PMID: 30650530; PMCID: PMC6357014.
8.Lionetti E, Gatti S, Pulvirenti A, Catassi C. Celiac disease from a global perspective. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2015 Jun;29(3):365-79. doi: 10.1016/j.bpg.2015.05.004. Epub 2015 May 14. PMID: 26060103.
9.Ludvigsson, J.F.; Leffler, D.A.; Bai, J.C.; Biagi, F.; Fasano, A.; Green, P.H.R.; Hadjivassiliou, M.; Kaukinen, K.; Kelly, C.P.; Leonard, J.N.; et al. The Oslo definitions for coeliac disease and related terms. Gut 2013, 62, 43–52.
10.Itzlinger A, Branchi F, Elli L, Schumann M. Gluten-Free Diet in Celiac Disease-Forever and for All? Nutrients. 2018 Nov 18;10(11):1796. doi: 10.3390/nu10111796. PMID: 30453686; PMCID: PMC6267495.
11.Ludvigsson, J.F.; Bai, J.C.; Biagi, F.; Card, T.R.; Ciacci, C.; Ciclitira, P.J.; Green, P.H.R.; Hadjivassiliou, M.; Holdoway, A.; van Heel, D.A.; et al. Diagnosis and management of adult coeliac disease: Guidelines from the British Society of Gastroenterology. Gut 2014.
12.Leonard MM, Sapone A, Catassi C, Fasano A. Celiac Disease and Nonceliac Gluten Sensitivity: A Review. JAMA. 2017 Aug 15;318(7):647-656. doi: 10.1001/jama.2017.9730. PMID: 28810029.
13.Potter M, Walker MM, Talley NJ. Non-coeliac gluten or wheat sensitivity: emerging disease or misdiagnosis? Med J Aust. 2017 Aug 4;207(5):211-215. doi: 10.5694/mja17.00332. PMID: 28987135.
Elaborado por: Profª. Drª Mariana Arruda Silva